7.9.07

Ponto de Vista Puramente Histórico Sobre a Igreja Primitiva e o Surgimento do Apóstolo Paulo


Os membros da pequena comunidade que Jesus deixara em Jerusalém após sua suposta ascenção, apresentavam-se como judeus dissidentes, abandonando os ensinamentos ritualistas dos fariseus e passando a ter como referência as palavras do mestre - considerado o Messias anunciado - que abria espaço para um comportamento mais emocinal, mais emotivo do que o oferecido pelo ritualismo fariseu.

Aquele primeiro grupo judeu-cristão, que seria tão essencial para o estabelecimento do cristianismo, era uma comunidade bem temerosa. Segundo as epístolas do primeiro século, teriam vivido por longo tempo confinados na sala superior da casa em que o próprio Jesus teria celebrado sua última ceia. Somente após a reafirmação de Pentecostes, tais tímidos ganham força e são transformados, aquelas pessoas humildes, em arautos tão vibrantes que, desde o início, seus ouvintes acusam-nos de estar cheios de vinho. A festa judia levara a Jerusalém uma enorme multidão. Pedro, um pescador e possível membro de destaque da sociedade comercial local, ainda ontem um renegado, dirige-se a essa multidão pregando a vinda e a ressureição do Messias. Pela primeira vez, temos o relato de uma pregação em público dos discípulos de Jesus.

Pedro é escutado, sobretudo pelos judeus da diáspora, o que pode explicar a presença, bem cedo, de um pequeno grupo de judeus cristãos em Damasco, Antióquia, Alexandria e Roma. Um certo número desses judeus, com contatos diretos com filosofias helenistas, ficaram em Jerusalém. Para se ocuparem deles, os apóstolos designaram os diáconos - em número de sete, segundo os Atos dos Apóstolos. Estêvão, um dos sete, é uma figura de proa, não hesitando em identificar com a idolatria o culto prestado a Deus no Templo de Jerusalém, substituindo tal culto em suas pregações pela ordem instaurada pelo Filho do Homem. Naturalmente, Estêvão termina por ser apedrejado como blasfemador. A posição avançada de Estêvão, porta-voz dos "helenistas", marca uma primeira etapa da evolução da comunidade judaico-cristã.

Durante a narração do apedrejamento de Estêvão, aparece, pela primeira vez nos Atos dos Apóstolos, um judeu da Ásia - Saulo, que se tornaria Paulo.

Contamos com poucas informações sobre a vida de Paulo antes de sua conversão. Sua família, judia de origem mas que havia adquirido o direito de cidadania romana, estabelecera-se na Cilícia, em Tarso, cidade amplamente aberta para as rotas comerciais e os sincretismos religiosos: foi lá que nasceu Saulo, no princípio da Era Cristã. Em Jerusalém, ele seguiu as lições de um doutor famoso, Gamaliel, sendo atraído pelo ideal farisaico. Temperamento apaixonado, ele seguiu o cristianismo nascente, no qual nada mais via além de uma heresia e impostura.

Lançado à terra por uma "força invencível" no caminho para Damasco, ele passa algum tempo nos ermos do reino nabateu antes de rumar para Jerusalém, onde encontra os chefes da comunidade judaico-cristã: Tiago e Pedro; junto a eles, fortalece sua fé no Cristo crucificado e perseguido. De Jerusalém, após essa brevíssima visita, sem ter ido a local sagrado algum, parte para Antióquia em companhia de Barnabé e é lá que o encontraremos quando da preparação de sua primeira viagem missionária.

Na Palestina, os discípulos de Jesus estendem timidamente seu campo de ação. Os Atos dos Apóstolos relatam o episódio do ingresso de um eunuco - ou seja, um semita - da rainha da Etiópia na Igreja, graças ao diácono Filipe. Os eunucos estavam excluídos da comunidade de Israel. Mais significativa ainda é a pregação do mesmo Filipe, depois de Pedro e João, para os samaritanos, "esses pestilentos". E melhor ainda: o Espírito impede Pedro - que em Cesaréia, cidade pagã, batiza o centurião Cornélio - a quebrar um tabu, universalizando a mensagem cristã para todos os povos, e não exclusivamente aos judeus; mas os murmúrios escandalizados - "entrastes em casa de incircuncisos e comeste com eles !" - que acolhem Pedro em sua volta provam que os espíritos ainda não estavam preparados para esse salto universalisante.

Nesse meio tempo, na comunidade cristã, os ritos judaicos se enriquecem com uma liturgia original: a administração do batismo e também, por ocasião das ceias comunitárias, o rito eucarístico da fração do pão. É provavelmente no curso dessas reuniões que os cristãos se interrogam sobre Jesus e sua mensagem, repensado suas lembranças e contos, controlando os materiais que viriam a se tornar os evangelhos sinóticos.

Nota:Fragmento de texto do artigo "A Igreja Primitiva" de Marcelo Carreiro. Para fortalecimento da apologética, que também faz uso da história e não só da teologia, é importante que haja contradições e polêmicas de diversas opiniões de historiadores.
Imagem acima: Conversão de Paulo, de Caravaggio.

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